Veja, Lula… e o software livre

No Webinsider: Veja, Lula… e o software livre

Misturar política com software livre é perigoso. Software livre no governo implica em liberdade de escolha para o cidadão, ou seja, em não obrigá-lo a comprar (ou piratear) uma cópia do Windows para acessar serviços básicos ao cidadão (o caso do boletim de ocorrência online é um excelente exemplo.) E isso é bom não importa se você é de direita, de esquerda ou do andar de baixo.

Significa também segurança de que a Microsoft não está roubando dados sensíveis dos cidadãos brasileiros. Se parece paranóia minha, lembre-se que eles já fizeram isso com todo mundo. O registro de uma das versões do Office (97, se não me engano) enviava para a Microsoft dados sobre o Windows em que estava instalado e outras informações, como o MAC address da placa de rede do micro. Se fizeram isso conosco, você acha difícil imaginar que queiram fazer coisa pior com as máquinas que contém informações sobre todos os cidadãos, por exemplo, a minha e a sua declarações de imposto de renda? Entregar os dados de seus cidadãos para uma empresa estrangeira é ruim, seja você petista ou tucano, corinthiano ou palmeirense.

Software livre no governo significa também redução de custos e incentivo ao desenvolvimento de software nacional. Quão feliz você fica em saber que seus impostos foram parar em Redmond em troca de um produto pior do que uma alternativa livre?

Na iniciativa privada, bem como em sua casa, é realmente uma questão de gosto. Você usa Windows, Linux, Mac OS ou o que quiser. Se achar que MS-DOS é o que supre suas necessidades, problema seu. Mas no poder público estamos falando do meu e do seu dinheiro. Nesse caso, precisamos exigir a melhor escolha.

Se sua empresa possui um site que só funciona em Windows, eu compro de um concorrente. Faz todo o sentido. Não vou pagar R$ 499,00 num sistema que vai tornar meu micro instável e inseguro. Fiz isso com meu banco, e já estou pensando em fazer isso com o banco da empresa também.

Mas se o poder público me oferece um serviço que depende de Windows, não tenho como fugir para o concorrente. Ou seja, ou gasto meu dinheiro numa cópia do Windows, ou pirateio, ou tenho que pegar fila na delegacia!

Por falar nos R$ 499,00 do Windows XP Home, fiquei curioso para fazer as contas. Uso aqui uma máquina com Kubuntu 5.10. Dentre as maravilhas livres que tenho instaladas estão:

  • LTSP: trabalhamos duas pessoas aqui. Na mesma máquina. Tenho um thin client aqui ao lado, construído com um Pentium III 800 no qual paguei menos de R$ 300,00 (mais R$ 350,00 num bom monitor.)
  • Apache e MySQL: a dupla dinâmica que sustenta os sites mais visitados do planeta (além disso, tenho PHP, Python, Django, Ruby e Rails.)
  • OpenOffice.org: pacote de escritórios com editor de texto, planilha, software de apresentação de slides, banco de dados e programa de desenho vetorial.
  • Inkscape, Gimp e Scribus: Editor vetorial, bitmap e Desktop Publishing
  • Kommander, Glade, Quanta, Kate, KDevelop, Vim e uma porção de outras ferramentas de desenvolvimento.
  • Firefox, Opera, Konqueror, Lynx … (obs: Opera não é livre, você sabe)
  • Centenas de pequenos utilitários, como calculadora, editor de texto, programa de screenshots, régua de tela, visualizador de imagens, de PDF, de SVG, de Post Script, gerenciador de downloads, firewall, ferramenta de backup, agendador de tarefas, editor de áudio, media player e etc.

Vou tentar fazer as contas de quanto custa uma alternativa proprietária para cada programa destes. Começando com o sistema operacional, vou optar pelo Windows XP Professional e não o Home, tendo em vista que eu tenho no Linux coisas como editor de vídeo. R$ 639,00.

  • No lugar do LTSP usaria Wind0ws Terminal Service. Não encontrei preço disso. Um amigo me disse que pagou cerca de R$ 150,00 por estação. No meu caso, é uma estação apenas. (Se alguém souber um preço certo, avise que eu atualizo a conta aqui.)
  • No lugar de Apache e MySQL usaria IIS (já está incluso no XP Pro) e MS SQL Server. A versão que eu uso do MySQL é ilimitada, mas, como é meu Desktop, posso me contentar com uma versão de desenvolvimento do MS SQL Server. R$ 325,00 (uma versão para substituir o Postgre do servidor custaria absurdos R$ 19.125,00!)
  • No lugar do OpenOffice.org, o MS Office. Versão Professional, que vem com Access: R$ 1.579,00
  • Vou usar o (argh!) Publisher que vem no Office para substituir o Scribus, assim a gente economiza. No lugar do Inkscape e do Gimp, Illustrator e Photoshop. Aqui temos uma situação única! Nesse caso, o software proprietário é melhor do que o livre. Nos outros pontos todos estou trocando o software livre por um pior. Illustrator + Photoshop = R$ 3.582,86
  • Para economizar, vou adotar como ferramenta de desenvolvimento o Visual Studio Standard. R$1.099,00
  • Navegadores, vou continuar usando o Firefox como navegador principal. Sim, eu sei, há o Internet Explorer e o Opera, que são proprietários, mas para desenvolver eu realmente preciso das extensões do Firefox.
  • Não vou calcular preço para os pequenos utilitários, porque a maioria a gente consegue de graça, basta ter tempo e paciência.

Vamos somar? Ops, calma, não é só somar! Tenho duas estações aqui. Para alguns programas tenho então que pagar duas vezes!

Valor final: R$ 12.536,12

Entendo que tem muita gente que acha válido esse investimento. Principalmente profissionais de artes gráficas que realmente vão ser muito mais produtivos com o pacote da Adobe. O problema é que não é uma boa escolha para mim. Mas, se eu quisesse ter uma plataforma de software capaz de acessar um site feito apenas para Internet Explorer, e que fosse funcional o suficiente para substituir a minha atual, esse é o investimento que eu teria que fazer. E não seria tão funcional quanto minha plataforma atual, apenas o suficiente para que eu consiga trabalhar.

Além disso, eu teria que me preocupar com manutenção, atualização, anti-vírus, firewall, spywares e etc. Instalei meu Kubuntu há quase um ano, sobre um Kurumin que funcionava muito bem. Desde então não tive uma pausa por bug de sistema, a atualização automática me consome dez segundos por semana, e não gastei tempo nenhum com manutenção. Instalações são extremamente simples. A coisa mais complicada que fiz desde então foi instalar o LTSP, que me levou umas duas horas. O restante, coisa de dois cliques. E, depois de instalado, manutenção zero. Gostaria que alguém me explicasse como o TCO de um sistema assim pode ser maior.

Linux, Lula, Veja, Brasil, OpenSource, Windows, Microsoft

Publicado por

Elcio

Elcio é sócio fundador da Visie Padrões Web. Pioneiro no uso e divulgação dos padrões do W3C no Brasil, Elcio já treinou equipes de dezenas de empresas como Globo.com, Terra, Petrobras, iG e Locaweb. Além disso, tem dirigido as equipes da Visie no desenvolvimento de projetos web para marcas como Brastemp, Itaú Unibanco, Johnson & Johnson e Rede Globo.

12 comentários em “Veja, Lula… e o software livre”

  1. Olá Elcio, gostei desse post, realmente é como você disse.
    Usar Windows para as tarefas que você citou realmente é disperdicio.

    André Pessoa: Tem certeza que o Elcio é que é o xiita da história?

    Bom, acho que as pessoas deveriam experimentar pelo menos um distro como o Ubuntu antes de opinar sobre o assunto. Eu uso Slackware 12 aqui, e estou satisfeito!

    Long Life to Linux!!!

  2. Respondendo a um ponto do seu post: para usar o Terminal Services, não basta ter as licenças para os clients. É preciso rodar um sevidor Windows (2000 ou 2003), portanto o total da sua conta ainda vai subir bastante…

  3. O da Veja, claro. Toda argumentação contra a política de software livre do governo federal(PT), em oposição ao modelo adotado em São Paulo, está baseada na opinião da tal Florencia Ferrer; que não pode ser considerada isenta, pois uma rápida googlada revela sua relação com o governo paulista(do PSDB, e rival do PT).

  4. Olá, André, como vai?

    Não sei se você chegou a ler o artigo da Veja que deu origem à discussão toda. A primeira questão é que a Veja confunde “usar software proprietário” com “tornar o trabalho inacessível a quem não usa esse software”, e, como eu tentava responder ao artigo da Veja, acho que não deixei a coisa muito clara.

    A Veja critica, por exemplo, a iniciativa de ter uma versão do programa de declaração de imposto de renda que rode em Linux, e elogia o sistema de boletins de ocorrência online, que só roda em Internet Explorer. Então, o cálculo serve para mostrar o quanto eu teria que gastar para usar o sistema de boletim de ocorrência. Por coincidência, o sistema de B.O. online é PSDB e o de I.R. é PT. Não que para mim isso importe. Mas parece que para a Veja importa.

    Outro assunto, que eu infelizmente misturei, admito, é a questão da relação custo X benefício entre sistemas Linux e Windows. Linux é muito mais fácil de usar, muito mais produtivo e muito mais seguro. E eu não fico nada feliz em saber que o governo envia R$ 900,00 por máquina para Redmond, pagando atualizações de tempos em tempos, colocando em risco a segurança dos meus dados, enquanto poderia usar um sistema mais amigável, mais poderoso, mais produtivo e muito mais seguro sem esse custo.

    Não acho que Linux seja a resposta certa para todas as perguntas. Para quem trabalha com desktop publishing ou com ilustração vetorial, por exemplo, há ainda muitos bons motivos para se usar Windows ou Mac OS.

    Mas para quem faz trabalho de escritório, por exemplo, a escolha do Windows, mais complicado, mais caro e mais inseguro, é injustificável. Se é na iniciativa privada, problema de quem comprou. Mas no governo é o meu dinheiro, é o serviço que deveria ser prestado a mim e a segurança dos meus dados.

  5. Poucas vezes vi um post tão falacioso como esse. Você tenta deliberadamente confundir “usar software proprietário” com “tornar o trabalho inacessível a quem não usa esse software”. Qualquer software de boa qualidade, qualquer um mesmo, é compatível com inúmeros formatos, e você sabe disso. Eu trabalho no serviço público federal há mais de 10 anos, e mesmo usando somente o Word, jamais tive alguém reclamando de não conseguir ler algo que eu tenha mandado. Quando era um documento de grande circulação, por excesso de zelo eu usava o formato RTF, que é público, é lido por qualquer editor e existe no Word desde sempre. Na verdade, foram alguns colegas meus que, obrigados a usar OpenOffice pelos vermelhinhos do governo Lula, passaram a ter inúmeros documentos recusados.

    Ultimamente, com a popularização da internet, tem se tornado mais ou menos padrão para quem desenvolve para ampla divulgação usar somente HTML ou PDF. Ou será que você é tão xiita que é contra também o formato PDF?

    Uma cópia do Windows XP Professional custa, para uma grande empresa ou para o governo, cerca de R$ 150. Uma cópia do Office 2003 Professional, cerca de R$ 700. Somando o anti-vírus, dá uns R$ 900 tudo. É uma solução bem superior, em termos de produtividade, do que algo como Linux + OpenOffice. Se a sua produtividade não vale o gasto de R$ 900 a cada 2 ou 3 anos, sinto muito. A produtividade do servidor federal vale, e ideologização nenhuma, falácia nenhuma, irá mudar essa simples e cristalina verdade.

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